Atraso na entrega por parte de fornecedor pode gerar retenção do pagamento pelo comprador

A exceção do contrato não cumprido é um mecanismo do Direito Contratual Empresarial que protege a parte adimplente diante do inadimplemento da outra. Prevista no art. 476 do Código Civil, sua aplicação exige cautela, observância da jurisprudência e análise do descumprimento substancial. O artigo aborda limites, riscos e estratégias práticas para contratos empresariais.

Raul Dias | Advogado

12/22/20254 min read

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São comuns nos negócios empresariais os contratos bilaterais, em que ambas as partes possuem obrigações a cumprir, como a compra e venda, o fornecimento, a locação, a prestação de serviços, dentre outros. Nesses contratos, é reconhecido um direito chamado exceção do contrato não-cumprido. Ele pode ser a resposta para a parte adimplente quando o outro contratante deixa de cumprir com as suas obrigações em um negócio desse tipo.

Imagine o seguinte cenário: um contrato empresarial de longo prazo entre a empresa Alfa Embalagens Ltda. e a empresa Gama Brinquedos S.A. no qual mensalmente Alfa fornece embalagens para Gama, que realiza o pagamento correspondente. No mês x, Alfa deixa de entregar os produtos para Gama, e mesmo após notificação não retoma o curso normal dos negócios. Frente a isso, Gama decide deixar de pagar, mesmo que o contrato ainda fosse durar mais um ano até a renegociação.

Nesse cenário, a compradora estaria, na maioria dos casos, protegida pela lei e pela jurisprudência. A exceção do contrato não-cumprido (exceptio non adimpleti contractus) encontra-se no art. 476 do Código Civil de 2002, que determina que “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. A doutrina [1] e os tribunais [2] validam e desenvolvem essa regra amplamente.

Algumas cautelas devem ser tomadas para não expor a sua empresa a riscos jurídicos nesse cenário. Em primeiro lugar, o inadimplemento da outra parte não precisa ser total, mas deve ser substancial [3] ou seja, não é suficiente um descumprimento mínimo para levar a outra parte a reter pagamentos. Voltando ao nosso caso da Alfa Embalagens e da Gama Brinquedos, se o contrato fosse pela entrega de mil embalagens por mês e fossem entregues novecentas e oitenta, Gama não poderia deixar de pagar.

A aplicação também deve ser tempestiva. Em um dos casos referenciados do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Cível n. 1004086-87.2019.8.26.0565), o comprador deixou de pagar as parcelas combinadas com a empresa vendedora de móveis planejados após quase um ano e meio da entrega. Passou, para se justificar, a alegar defeitos nos produtos, mesmo tendo-os aceitado inicialmente e não reclamado até que os títulos relativos a esse negócio foram protestados. Nesse caso, o judiciário paulista não aplicou a exceptio.

Em segundo lugar, pelo fundamento da defesa na bilateralidade e na simultaneidade, não é cabível em contratos unilaterais ou de prestações sucessivas. Assim, se o contrato determinou que Fulano-comprador pagará na data D e Beltrano-vendedor entregará o produto na data D + 30, não pode Fulano deixar de pagar alegando que Beltrano ainda não realizou a entrega.

Finalmente, a exceção do contrato não-cumprido não pode ser alegada se a empresa renunciou a ela. Também pode ser afastada contratualmente pela cláusula solve et repete [4], que determina que para contestar uma obrigação, a parte deve primeiro cumprir a sua, seja pagar, fazer ou entregar algo. Nesses casos o contratante manifestou sua vontade de não utilizar a exceção e, portanto, não lhe é permitido voltar atrás.

Sob o ponto de vista oposto, ou seja, para o contratante adimplente evitar ser surpreendido pela alegação de exceção de contrato não-cumprido da outra parte, certas precauções devem ser tomadas. A principal delas é registrar devidamente a entrega de mercadorias. Em caso de negativa do recebimento cabe ao fornecedor a comprovação efetiva, em especial se a intenção for utilizar uma duplicata para fundamentar uma execução judicial (art. 15, II, “b” da Lei n. 5.474/68), o que foi levantado na Apelação Cível n. 1018833-90.2022.8.26.022.

Com o devido assessoramento profissional de um advogado, a invocação da exceptio pode ser parte de uma estratégia de escalonamento da disputa. O profissional deve ser chamado não só para verificar sua aplicabilidade no caso em tela, mas também para pensá-la globalmente com vista no objetivo principal, que é a satisfação do direito do credor. Não é algo para ser utilizado de maneira leviana, devendo ser pensada sob a lente de sua efetividade e sua conexão com medidas anteriores menos graves (como notificação) e posteriores, mais graves (ajuizamento).

REFERÊNCIAS E NOTAS

[1] GOMES, Orlando. Contratos. 27. ed. atual. por Edvaldo Brito; Reginalda Paranhos de Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2019. §69

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: v. 3: contratos. 22. ed. rev. e atual. por Caitlin Mulholland. Rio de Janeiro: Forense, 2018. §215

[2] Tribunal de Justiça de São Paulo. 29ª Câmara de Direito Privado. Agravo de Instrumento n. 2233227-60.2023.8.26.0000. Relator: Mário Daccache. Julgado em 31 out. 2023. Acórdão.

Tribunal de Justiça de São Paulo. 32ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível n. 1004086-87.2019.8.26.0565. Relatora: Mary Grün. Julgado em 19 jun. 2024. Acórdão.

Tribunal de Justiça de São Paulo. 26ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível n. 1111385-24.2023.8.26.0100. Relator: Carlos Dias Motta. Julgado em 31 out. 2025. Acórdão.

Tribunal de Justiça de São Paulo. 15ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível n. 1018833-90.2022.8.26.0224. Relator: Achile Alesina. Julgado em 26 dez. 2023. Acórdão.

Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial n. 2.140.050/PR (2024/0152087-4). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 3 set. 2024. Acórdão.

[3] Nesse caso a regra ganha o nome de exceptio non rite adimpleti contractus

[4] GOMES, Orlando. op. cit.