Cláusulas que evitam guerras: como um acordo de sócios pode salvar seu negócio

Este artigo mostra por que acordos de sócios são essenciais para a sobrevivência de pequenas e médias empresas, especialmente em um país com alta taxa de mortalidade empresarial. Ele explica como a falta de alinhamento entre sócios gera conflitos previsíveis e como cláusulas bem estruturadas evitam impasses, litígios e prejuízos. Também diferencia o acordo de sócios do contrato social e aponta quando cada instrumento é mais adequado. A leitura oferece uma visão prática e preventiva para quem deseja proteger o negócio e garantir decisões mais seguras ao longo do tempo.

Raul Dias | Advogado

12/9/202510 min read

two men facing each other while shake hands and smiling
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INTRODUÇÃO

A maioria dos negócios no Brasil é composta de pequenas e médias empresas. É uma característica desse ramo a alta rotatividade e mortalidade das empresas: cerca de 26% das microempresas e 22% das empresas de pequeno porte dá baixa no CNPJ dentro de cinco anos [1], o que representa apenas uma fração daquelas que encerram suas atividades de forma irregular. Entre startups, o percentual de mortalidade nesse mesmo prazo sobe para 74% [2]. Uma das principais causas desses encerramentos é a existência de disputa entre os sócios e a falta de alinhamento entre eles.

Os sócios podem entrar em conflito pelos mais diversos motivos. Do investimento de capital até a distribuição dos lucros, passando pela dedicação à empresa, idealização dos processos internos, relações com clientes, prestadores de serviço e funcionários, entre outros, todas as etapas da vida de uma empresa podem ser motivo de briga. São tantos motivos que é certo que, em toda empresa, pelo menos um ou alguns deles irão ocorrer ao longo de sua existência.

Melhor do que fechar os olhos para o problema é se precaver contra ele. De um ponto de vista individual, é do melhor interesse de cada sócio — que é, em última instância, quem irá aferir os lucros daquele negócio — que a empresa prospere, mesmo que seja para que o sócio eventualmente retirante apure um valor patrimonial maior em sua saída. De um ponto de vista geral, os benefícios sociais da atividade empresarial — produção econômica, geração de empregos, vida comunitária — só podem existir enquanto ela está em atividade. Ignorar o risco de conflitos graves e contar com a sorte é colocar em risco o negócio e o patrimônio dos sócios.

Apesar de pequenas e médias empresas considerarem que um investimento jurídico é um custo alto cujo retorno é incerto — o que se reflete no baixo planejamento empresarial e societário [3] — não é verdade que é uma necessidade somente para empresas maiores. Um dos mecanismos mais importantes nesse sentido é o acordo de sócios [4], que será o tema desse artigo. Uma confecção adequada de um instrumento como esse pode gerar, inclusive, economia futura: menos litígios, menos gasto com disputas judiciais, maior previsibilidade, mais segurança, maior potencial de investimento por terceiros, dentre outras vantagens.

Um acordo de sócios é um contrato entre uma parte ou a totalidade dos sócios nos quais aspectos da vida e prática empresarial são decididos. Nele podem ser acertados elementos como distribuição de lucros, métodos de contratações, administração da sociedade etc. antes mesmo que o problema surja. Por não ser obrigatório o seu arquivamento na Junta Comercial, é um documento menos complexo de regularizar e que pode ser mantido em segredo junto somente aos sócios, permitindo, por exemplo, o regramento de aspectos das sobreposições entre vida íntima e empresarial em empresas familiares.

COMO UM ACORDO DE SÓCIOS PODE AJUDAR SUA EMPRESA?

A maior parte dos conflitos empresariais não se origina na má-fé dos sócios. A ausência de planejamento, a falta de alinhamento e as diferenças de expectativas estão, em geral, na raiz dessas disputas. O acordo de sócios pode aumentar a previsibilidade e melhorar as relações dentro da empresa.

Um caso típico é de uma empresa com dois sócios com participações idênticas e divergências na distribuição de lucros. Imagine que um desses sócios é um empresário já consolidado se inserindo em um novo ramo, enquanto o outro é um profissional recém-demitido iniciando agora a vida de empreendedor. Um cenário assim é bastante razoável de ocorrer, em especial se os dois sócios já possuírem uma relação prévia de amizade.

É provável, nesse cenário, que os interesses divirjam acerca da distribuição dos lucros. O primeiro sócio tenderá a querer o reinvestimento dos lucros na própria empresa, para acelerar o seu crescimento. Já o segundo precisará, mais cedo e mais intensamente, que esses lucros sejam distribuídos para a pessoa física. Usualmente, o contrato social possuirá uma cláusula genérica permitindo que se avalie a distribuição ou não dos lucros ao fim de cada balanço ou de maneira extraordinária, o que nada resolve.

Sem a prevalência de um sócio sobre o outro e com o passar dos exercícios a probabilidade maior é que o conflito se aprofunde. Isso pode resultar em um travamento da atividade e em uma dissolução da sociedade, com perda para os sócios, funcionários e para a comunidade. Com um acordo de quotistas, esse problema poderia ter sido antecipado, prevenido e, se necessário, resolvido. Vejamos, assim, que tipo de cláusula pode auxiliar na resolução desse tipo de impasse.

CLÁUSULAS IMPORTANTES EM ACORDOS DE SÓCIOS

O intuito de apresentar cláusulas úteis para acordos de sócios não é esgotar o tema, nem substituir a orientação personalizada para o caso específico de sua empresa por um texto na internet. Mais ainda do que o contrato social, o acordo de sócios não é um documento que se pode copiar de um modelo virtual para todos os negócios. Ele deve ser pensado diante da realidade particular daquela sociedade, de sua atividade e de sua composição.

Por isso, faz-se fundamental a orientação de um advogado. Combinando o conhecimento dos instrumentos jurídicos com a análise detida do negócio, da relação entre os sócios e dos problemas que a empresa enfrenta ou pode vir a enfrentar, um profissional constrói o acordo de sócios de maneira adequada àquela empresa. Os exemplos são apresentados aqui como convites à reflexão acerca de problemas típicos da vida empresarial.

1. Cláusulas de desempate (deadlock)

A dificuldade em decidir uma matéria pode travar a vida e a atividade da empresa. Como no caso delineado acima, é possível que um problema seja impossível de resolver por consenso. Na sua ausência, é normal que os sócios votem e prevaleça, a depender da matéria, a maioria simples, qualificada etc. O que se faz, porém, em um cenário em que os sócios detêm participações iguais?

Há duas soluções para isso. Em primeiro lugar, em especial em sociedades com mais de dois sócios, nem todas as medidas devem exigir consenso. Matérias mais delicadas podem exigir três quartos do capital votante, outras mais simples podem exigir metade e outras, finalmente, podem exigir consenso. Já com isso, em muitos casos, o dia a dia da gestão fica preservado, sem que decisões fiquem travadas. Esse tipo de regramento pode constar tanto do contrato social, quanto do acordo de sócios.

Em segundo lugar, contudo, há situações em que o empate é incontornável. Sem uma resolução própria para a questão, a regra do Código Civil (art. 1.010, §2º) é que prevalecerá a posição com mais sócios representados numericamente e, persistindo o empate, caberá ao Poder Judiciário a decisão — o que é, no mínimo, indesejável.

Para resolver isso, uma possibilidade é uma cláusula de options. Diante dela, em um empate insolúvel, um sócio pode possuir uma opção de compra da participação do outro sócio por valor pré-determinado (call option) ou de uma opção de venda de sua participação para os outros, que são obrigados a adquirir as suas quotas (put option).

Outra possibilidade é uma cláusula shotgun, que determina que, em caso de impasse, um sócio poderá acioná-la e propor a compra da participação do outro por um valor x, que poderá, então, optar por ele próprio comprar o outro por esse mesmo valor — esse é um tipo de shotgun — ou deverá optar entre aceitar ou ofertar um valor maior — outro tipo de shotgun.

2. Cláusula de distribuição de lucros

No caso exemplificado que apresentamos, a falta de especificidade na distribuição dos lucros pode gerar conflitos graves na sociedade e tensões na vida pessoal dos sócios. Uma solução é determinar de maneira precisa em que condições o lucro deverá, obrigatoriamente, ser distribuído. Considerando que ambos os interesses são legítimos — tanto do sócio que deseja reinvestir na atividade econômica quanto do sócio que deseja/necessita utilizar os valores apurados para si — é razoável que se construa uma cláusula que medeie esses extremos.

Aqui dependerá diretamente da realidade da empresa e dos participantes. A título de exemplo, pode-se combinar que a distribuição só será realizada após um número de exercícios, ou após alguns resultados positivos, conjugados com inexistência de dívidas de curto prazo. Excluídas cláusulas que, disfarçadamente ou não, afastem um sócio de receber ou arcar, respectivamente, os lucros e com as perdas, a criatividade empresarial pode florescer aqui combinada com o estudo do negócio.

3. Cláusulas de apuração de haveres/valuation

Em alguns casos, o problema não está na vida societária cotidiana, mas na saída de um dos sócios. Mesmo uma saída amigável — um sócio que sai porque irá se mudar da região ou do país, por exemplo, e não porque brigou com os outros — pode gerar uma dor de cabeça e, eventualmente, uma disputa judicial.

É comum que os contratos sociais apenas repitam as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil sobre o tema. Isso, porém, não resolve nada, já que o Poder Judiciário mudou de opinião acerca da forma de calcular esses valores em mais de uma ocasião. Além disso, sem outras disposições, pode ocorrer da sociedade ser obrigada a desembolsar, à vista, um alto valor para liquidar a participação de um dos sócios, o que pode vir a prejudicar a atividade empresarial.

É importante, assim, que o valor da participação societária seja calculado e pago a partir de uma metodologia pré-estabelecida. No acordo, os sócios podem combinar previamente quais elementos entram no cálculo do valor da participação — por exemplo, se o valuation considerará fluxo de caixa projetado, ativos intangíveis, contribuições específicas de um sócio etc. Também podem definir se o pagamento será à vista ou parcelado, com prazo de carência e juros. Isso reduz surpresas e torna a saída de um sócio financeiramente suportável para a empresa. Mais uma vez, o limite é a criatividade e o conhecimento de causa.

ACORDO DE SÓCIOS OU CONTRATO SOCIAL?

Nada impede que alguns desses elementos sejam previstos diretamente no contrato social. Em certos casos, é saudável que se faça assim, como na inclusão de quóruns mais altos para decisões críticas.

O acordo de sócios cumpre, todavia, algumas funções particulares para as quais é o instrumento ideal. Mais uma vez, o aconselhamento específico de um profissional é fundamental para a construção estratégica do documento. Adiante-se, porém, alguns pontos favoráveis ao acordo de sócios.

Em primeiro lugar, a sua flexibilidade e o seu custo, que andam juntos. Enquanto o acordo de sócios pode ser redigido em instrumento particular mantido entre os quotistas ou acionistas apenas, o contrato social é registrado na Junta Comercial (em caso de sociedade empresária), com o correspondente pagamento de taxas, sendo também mais complexo o procedimento de alterações no documento.

Apesar de demandar um trabalho advocatício maior — e, consequentemente, gerar uma cobrança maior de honorários contratuais —, o acordo de sócios tende a ser construído de maneira mais personalizada e aprofundada, justificando-se sob uma perspectiva de custo-benefício. A possibilidade de estipular acordos mais simples, com prazo determinado, para matérias específicas, assim como acordos mais globais e quaisquer intermediários ou combinações também é uma vantagem. Isso sem falar da economia futura potencial.

Além disso, o contrato social é um documento público. Em se tratando de empresas menores, em especial de empresas familiares, não é interessante para os sócios que todas as matérias sejam de fácil acesso. Frequentemente, nesses casos, elementos emocionais e pessoais misturam-se com o ambiente de negócios — o que é, aliás, mais um motivo para preparar esse documento — e não é agradável que aspectos da vida íntima dos empresários sejam expostos. O acordo de sócios permite que a validade seja mantida regularmente mesmo que o documento não seja levado ao Registro Público.

Finalmente, por todas as características citadas, o acordo de sócios sequer precisa ser utilizado para comprovar a sua utilidade. A mera existência, normalizando as expectativas dos participantes, pode já ser um elemento positivo na vida da sociedade, de modo a reduzir as desconfianças e as preocupações. Assim, cobrindo aspectos mais delicados, resta tempo para o desenvolvimento da operação principal da empresa.

CONCLUSÃO

O acordo de sócios não é um documento limitado às grandes empresas ou sociedades mais complexas. Como vimos, um problema típico de sociedades com menos indivíduos, como empates insolúveis, pode ser destravado com um contrato desse tipo. É, na verdade, um instrumento a ser construído para facilitar, especificamente, a vida da sua empresa, sem reinventar a roda, mas entendendo devidamente o que pode ajudar o seu negócio.

Um bom acordo de sócios pode ser parte importante da profissionalização do negócio. Particularmente em um país como o Brasil, com alta taxa de mortalidade de empresas e disputas societárias em diversos volumes, a prevenção é o melhor remédio para esse problema. A consulta com um advogado é fundamental, a fim de combinar o conhecimento das ferramentas jurídicas com o estudo da sua empresa e seu funcionamento.

É recomendável, portanto, que se a sua empresa possui mais de um sócio, mas ainda não conta com um acordo construído de maneira personalizada para você, que os empresários procurem um advogado de confiança. Conversem abertamente sobre as expectativas de cada um em relação ao negócio e mapeiem pontos de conflito potenciais. O tempo a ser dedicado para o conhecimento da empresa, o custo da confecção do documento e a aparente paz que reine nesse momento não invalidam a necessidade de evitar riscos futuros de litígio e travamentos na atividade que poderiam ter sido evitados.

Na prática, muitos litígios entre sócios nascem justamente da ausência desse tipo de combinado prévio. Quando o problema aparece, o custo financeiro e emocional costuma ser muito maior do que o investimento em um bom acordo feito no momento certo. O momento de tratar desse tema é quando todo mundo está disposto a conversar, planejar e concordar, não quando o problema já apareceu e os sócios já abandonaram as expectativas e vontades de continuar o negócio.

REFERÊNCIAS

[1] SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Sobrevivência das empresas mercantis brasileiras (2017–2022): relatório técnico. Brasília, DF: Sebrae, 2023.

[2] SARDINHA, Flavia Campos; GALVÃO, Rosa. A mediação preventiva e o ecossistema das empresas da nova economia: o alto índice de mortalidade das startups brasileiras. ID on line. Revista de Psicologia, v. 16, n. 62, p. 16-27, ago. 2022. DOI: 10.14295/idonline.v16i62.3486

[3] SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE-SP). Causa mortis: o sucesso e o fracasso das empresas nos primeiros 5 anos de vida. São Paulo: Sebrae-SP, 2014.

[4] O acordo de sócios também é chamado de acordo de quotistas (em LTDAs) ou acordo de acionistas (em SAs)