Para onde vai o dinheiro do seu CDB? O que o caso Banco Master ensina sobre a aplicação de seu caixa em investimentos
Onde está o seu dinheiro aplicado e você realmente sabe o risco que corre? O caso do Banco Master expõe como CDBs com alta remuneração podem esconder riscos graves para investidores e empresas. Neste artigo, explicamos de forma prática para onde vai o seu dinheiro, como o banco utiliza esses recursos e quais lições tirar para proteger seu caixa. Descubra como avaliar aplicações e evitar surpresas que podem travar seu capital quando você menos espera.
Raul Dias | Advogado
12/3/202510 min read
INTRODUÇÃO
Onde está o seu dinheiro e o da sua empresa nesse momento? Se não está nem todo parado na conta corrente e nem todo aplicado na própria atividade empresarial, é provável — e saudável — que uma parte dele esteja em investimentos e produtos financeiros. Porém, algumas perguntas se colocam: você sabe, de verdade, onde está investindo o seu dinheiro? Sabe para onde ele vai depois que você aplica em um CDB ou em uma LCA? Sabe o que acontece e qual relação que isso tem com uma quebra da instituição financeira? Essa resposta pode definir se o seu caixa ficará disponível ou travado quando algo der errado.
Com o anúncio da liquidação extrajudicial do Banco Master S.A. e empresas do conglomerado, no dia 18 de novembro de 2025, essas questões entraram na ordem do dia. Essa notícia foi a culminação de um processo que já apresentava sinais preocupantes há tempos. O objetivo desse artigo é apresentar, de maneira didática, a resposta a essas perguntas para o caso particular dos investimentos em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs), que eram o produto mais conhecido do conglomerado liquidado.
Uma regra de ouro ficou clara: não existe taxa alta de remuneração sem risco correspondente, nem dinheiro de graça. O rendimento do CDB não é um prêmio, uma bonificação ou um atrativo para clientes. É, na verdade, o resultado de regras que ditam o quanto o banco pode captar, o quanto ele deve reservar em caixa e o quanto ele pode aplicar em operações que tragam retorno financeiro, das quais se espera que advenham recursos suficientes para remunerar os depositantes.
Ainda é baixo o letramento do povo brasileiro sobre investimentos. No Raio X do Investidor Brasileiro de 2024, quatro em cada dez pessoas não souberam nomear nenhum produto financeiro espontaneamente. Nem mesmo a caderneta de poupança. Após terem contato com a relação de nomes, mais de um terço não conhecia nenhum além dela, a mais famosa: nem ações, nem fundos de investimento, nem Tesouro Direto etc.
Esse desconhecimento aponta para algo preocupante: a quantidade de pessoas que não sabem o que é feito com o seu dinheiro após o investimento é necessariamente maior. Ainda que não existam dados específicos sobre o tema, qual percentual de investidores sabe responder a essas perguntas? Essa é uma questão fundamental em um caso como o do Banco Master
DOR NO BOLSO E NA CABEÇA
O CDB é apresentado como um produto de investimento seguro, com garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e podendo contar com rentabilidades atrativas. Nada disso é falso, porém é importante entender que o CDB, em si, é tão seguro quanto o banco que capta recursos com ele e as operações para as quais ele os direciona. Não é porque o FGC garante o pagamento dos investidores até o limite de suas regras (R$250 mil por CPF ou CNPJ por instituição, limitado a R$1 milhão no período de quatro anos, em geral) que se pode fechar os olhos para os negócios subjacentes. No mínimo, para evitar a surpresa quando uma quebra ocorrer.
O dinheiro que o investidor aplica em CDBs compõe o passivo da instituição financeira, ou seja, é uma responsabilidade a pagar futuramente. Porém, os valores depositados podem ser utilizados pelo banco depositário para concessão e adiantamento de crédito, operações de câmbio, aquisição de títulos e valores mobiliários etc., desde que dentro das regras legais e administrativas. O risco de um CDB é vinculado, portanto, ao risco das próprias operações ativas da instituição. Desse modo, a remuneração alta é um sinal amarelo: é, por um lado, um movimento natural para atrair clientes, mas também é uma adequação da rentabilidade a operações mais arriscadas e que não seriam atrativas sem isso.
O risco do CDB é mitigado pela garantia fornecida pelo FGC, descrita acima. Contudo, o FGC não resolve todos os problemas atualmente e pode resolver ainda menos no futuro. Com o caso do Banco Master, aumentaram as notícias e propostas de revisão do fundo, partindo não só de jornais de grande circulação, mas também de seu próprio presidente e sendo incluída na agenda do Banco Central do Brasil. Mesmo hoje, porém, o FGC possui suas limitações: não só os tetos de resgate, mas o dinheiro não é disponibilizado imediatamente — mesmo no caso de um CDB prestes a vencer será necessário aguardar o procedimento completo — e exige participação ativa do investidor para recuperar o valor.
Não se trata de um convite à paranoia, mas é importante que o investidor conheça minimamente o histórico e as operações da instituição que escolherá, principalmente se for um banco de menor porte. A democratização do sistema financeiro nacional pode ser benéfica e a preocupação com a dominação do mercado somente pelos grandes players é justa. Porém, a confiança no combo “Remuneração alta + FGC” pode significar uma dor de cabeça e um receio constante, além de não ser uma receita que necessariamente se manterá confiável. Compreender a complexidade desse sistema é fundamental para se preparar para o futuro do mercado financeiro, avaliar e manejar os próprios investimentos e aplicar com confiança, mesmo no caso do investidor individual. Vamos utilizar, portanto, o caso do Banco Master para compreender o que de fato ocorre com o dinheiro aplicado em um banco.
O CAMINHO DO DINHEIRO E O BANCO MASTER
Quando você aplica o dinheiro seu ou de sua empresa em um CDB, na prática está emprestando recursos ao banco. Esse dinheiro entra como passivo para a instituição financeira (uma dívida que ela terá de pagar no futuro), mas pode ser usado pelo banco em diversas operações: concessão de crédito, antecipações, descontos de títulos, operações de câmbio, entre outras.
A captação de depósitos do público e a aplicação desses recursos em operações é da natureza das instituições financeiras bancárias e é, inclusive, o que a distingue de outras empresas. As formas de captação são variadas, podendo receber depósitos à vista, a prazo, em caderneta de poupança, em títulos emitidos (LCI, LCA etc.).
O depósito é a operação bancária mais comum. Pode ser à vista ou a prazo. À vista são aqueles que não possuem vencimento — como valores em conta corrente, que podem ficar por décadas sem movimentação. Já os depósitos a prazo são os que possuem data de vencimento, como CDBs e RDBs, independentemente de possuírem liquidez diária / permitirem resgate antecipado.
Uma parte dos recursos arrecadados é obrigatoriamente recolhida em conta de titularidade da instituição financeira no Banco Central (recolhimento compulsório). Com o restante, o banco tem liberdade — dentro de regras — para emprestar e investir. Para aplicar esse dinheiro, a instituição precisa seguir normas prudenciais e regulatórias que, em teoria, limitam o risco. Em termos simples, o banco precisa:
Manter capital próprio de qualidade em proporção suficiente ao risco dos ativos totais (Índice de Basileia, acima de 10,5%)
Reservar valores para cobrir inadimplência dos clientes (provisões para perdas associadas ao risco de crédito)
Manter liquidez para aguentar estresse de curto prazo e um perfil de financiamento estável (indicadores LCR e NSFR)
Mesmo cumprindo essas regras, há espaços para estratégias mais conservadoras ou mais agressivas. Se o banco concentra demais em ativos arriscados e pouco líquidos — precatórios, créditos tributários, ações judiciais, empresas em crise etc. — ele aumenta a chance de enfrentar problemas de caixa quando precisar honrar resgates de CDBs e outros passivos. Para o investidor e para a empresa aplicadora, significa risco real de liquidação extrajudicial, demora e incerteza no recebimento.
O Banco Master S.A. era conhecido pelos CDBs ofertados com alta remuneração. Na prática, optou pela estratégia agressiva: captava pagando caro pelos depósitos a prazo e aplicava esse dinheiro em créditos de alto risco. Seus CDBs superavam a marca de 140% do CDI, enquanto bancos de grande porte costumam pagar algo em torno de 100% do CDI ou menos.
A combinação das taxas elevadas com a divulgação da garantia do FGC atraiu muitos investidores. Em cinco anos, do balanço de 2019 do então Banco Máxima até o balanço de 2024 do Banco Master, o estoque de depósitos a prazo multiplicou-se em mais de vinte e cinco vezes (de R$1,2 bilhão para R$30,8 bilhões). O banco passou a depender fortemente desses recursos de CDB para financiar sua estratégia.
Esse dinheiro era direcionado para ativos com alto potencial de retorno, mas com risco de atrasos ou perda e baixa liquidez. Para honrar os CDBs com vencimentos próximos, o Master emitia novos CDBs com prazos mais longos. Paralelamente, sinais de alerta começaram a aparecer.
Em artigo publicado no portal Jota em maio de 2025, Carolina Unzelte mostra que, além disso, o Banco Master os registrava assumindo um cenário otimista: apostava no pagamento integral desses valores dentro do prazo determinado, o que nem sempre é tão previsível assim. Até então, o BCB permitia essa captação acelerada por meio de CDBs e era menos rígido na sua aplicação em operações como essa, marcando-as com menos risco e exigindo menor transparência.
A liquidação do conglomerado ainda não está completamente esclarecida. A operação Compliance Zero apresenta acusações mais graves, como fraude, créditos sem lastro etc. Por outro lado, sabe-se pelos Atos do Presidente do BCB que determinaram a intervenção nas empresas do grupo e pelo comunicado oficial do BCB do mesmo dia que uma das motivações foi o comprometimento da situação econômica e financeira da instituição, assim como uma grave crise de liquidez
A partir dos balanços de 2025, o Banco Master teria de seguir as normas mais restritivas para esse tipo de exposição e apresentá-lo de acordo em seus demonstrativos e relatórios. Até lá, porém, a instituição afirmava cumprir os requisitos prudenciais, com Índice de Basileia em 10,53% e atendimento aos indicadores de liquidez. Apesar disso, o modelo de negócio apresentava riscos relevantes que uma análise imediata dos indicadores não revelaria.
Para a empresa ou empresário que aplica caixa em CDBs, a lição é direta: deve-se conhecer a estratégia do banco no qual se aplica o dinheiro. Se o risco for alto, a combinação entre remuneração e FGC pode deixar de ser oportunidade e converte-se em problemas reais para a empresa.
CONCLUSÃO
É uma boa regra prática assumir que um retorno mais alto corresponde a um risco mais alto em uma determinada aplicação. Mesmo com o cenário atual de garantias do FGC, o investidor deve ponderar devidamente o que está fazendo e, se possível, deve buscar conhecer as operações do banco no qual irá aplicar.
No caso do Banco Master, há pelo menos seis meses existiam matérias em grandes portais de notícia e de direito tratando dos riscos vinculados ao negócio. Aqui, é necessário chamar à responsabilidade: não dá para falar que o que aconteceu foi um raio em céu azul, uma surpresa ou uma tragédia. Tratando do seu próprio dinheiro ou do caixa de sua empresa, é importante conhecer minimamente para onde a aplicação vai.
Para a tesouraria da sua empresa, isso se traduz em algumas regras simples de gestão de risco. É possível evitar problemas semelhantes e principalmente surpresas com algumas medidas simples:
Desconfie de remunerações muito altas: se o mercado paga 100% do CDI, pergunte-se por que o outro banco paga 140% ou mais. Taxa muito alta pode ser prêmio de risco.
Respeite o limite do FGC para garantias. Mesmo alguns investidores institucionais não o fizeram, de modo que não é obviedade.
Investigue o banco em que vai aplicar. Conheça o básico de suas operações e verifique os seus indicadores e histórico de lucros.
Diversifique de maneira inteligente. A dor de abrir e manter mais de um investimento é menor do que a de lidar com uma liquidação extrajudicial.
REFERÊNCIAS
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A Taxa DI (ou CDI) é a taxa que remunera as operações de empréstimo de duração de um dia entre instituições financeiras, operações de baixíssimo risco, sendo próxima da Taxa Selic e uma base para outras operações financeiras mais arriscadas.
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