Quem responde pelas transações em caso de furto ou roubo de cartão?
Em casos de uso fraudulento de cartão roubado por aproximação (NFC), quem deve arcar com o prejuízo: o banco ou o cliente? O artigo analisa o entendimento do STJ e do TJSP sobre responsabilidade das instituições financeiras, fortuito interno, falha na prestação do serviço e possibilidade de indenização por danos morais.
Raul Dias | Advogado
12/15/20254 min read
A hipótese a seguir é um cenário comum: o cartão de banco de uma pessoa é roubado ou furtado. Mesmo sendo um indivíduo diligente, que logo dá falta e busca os meios para cancelá-lo, o plástico é utilizado pelo fraudador, que realiza uma sequência de compras de valor baixo, totalizando mais de dois mil reais, por meio de compras por aproximação/contactless/tecnologia NFC. Quem arcará com esse custo: a instituição financeira ou o cliente, e em que casos?
Estamos diante, aqui, de um cliente precavido, alguém que sequer mantinha sua senha anotada em qualquer lugar e que foi vítima da má-fé de terceiro. Por outro lado, aparenta ser um fato completamente estranho a atividade da instituição financeira, realizado fora de sua dependência e sem qualquer interação para consigo. De imediato, portanto, não há resposta simples.
A primeira via que o cliente pode tentar é a negociação direta com a instituição financeira. Cada uma possuirá sua própria política interna de verificação de fraudes e de estorno e, em alguns casos, é possível obter a satisfação por essa via, preservando a relação negocial e evitando custos judiciais para ambas as partes. Contudo, nem sempre isso ocorrerá, caso em que o cliente pode buscar o ressarcimento no Poder Judiciário.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo possuem proporcionalmente mais decisões favoráveis ao titular do cartão subtraído [1] [2], mesmo nos casos de uso por aproximação. Isso se dá por duas vias: em primeiro lugar, pelo entendimento de que é parte do risco da atividade da instituição financeira — cabendo, portanto, a aplicação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002 [3]. Em segundo lugar, pela caracterização de falha de serviço da instituição financeira, que deixou de bloquear transação que fugiria ao padrão de consumo do cliente.
A ausência de culpa da instituição financeira não é tida, portanto, como suficiente para elidir o dever de reparar, do ponto de vista do Judiciário brasileiro. Entende-se que se trata de fortuito interno — novamente, um risco inerente a atividade. Para caracterizar-se o fortuito externo e evitar a responsabilização, o ato de terceiro deve ser inevitável e imprevisível ou o cliente deve concorrer com a culpa por sua negligência ou morosidade em comunicar a perda do cartão. Ainda, se for possível argumentar que as compras não fogem do padrão de consumo do cliente, fortalece-se o argumento do banco. Nos principais casos em que a instituição financeira não foi responsabilizada, as compras realizadas eram de valores baixos ou o cliente deixou de avisar prontamente sobre o fato. Mesmo isso, porém, não é regra geral.
É possível, ainda, que a instituição financeira seja condenada ao pagamento de danos morais, até mesmo em montante superior ao próprio valor ressarcido. Alguns tribunais aplicam a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, ou seja, que aquele tempo que ele dedica a corrigir a falha de serviço do fornecedor é um tempo perdido em atividades produtivas, de lazer ou de trabalho e, portanto, ultrapassa o mero aborrecimento. Resta, pois, ampliado o risco para o banco nesses casos.
Além do Código de Defesa do Consumidor, o próprio artigo citado do Código Civil é fundamento para esse entendimento. Além disso, a Súmula 479 e o Tema Repetitivo 466 do Superior Tribunal de Justiça são citados, assim como os Enunciados 13 e 14 do Tribunal de Justiça de São Paulo, da Seção de Direito Privado. A compreensão do enquadramento desse debate no âmbito da falha de serviço abre espaço para a sua aplicação também nas relações entre pessoas jurídicas e instituições financeiras, apesar de não existir jurisprudência nesse sentido.
REFERÊNCIAS
[1] A título de exemplo, filtrando por acórdãos com o termo contactless na ementa, encontram-se 22 documentos relacionados ao tema. Desses, em 14 (cerca de 63%) a instituição financeira foi condenada a ressarcir os valores.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Petição n.º 17473 – RS (2024/0449253-1). Relator: Ministro Antônio Carlos Ferreira. Decisão publicada em 14 fev. 2025. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 14 fev. 2025.
TJSP; Apelação Cível 1006839-47.2025.8.26.0196; Relator (a): Roberto Maia; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franca - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2025; Data de Registro: 31/10/2025.
TJSP; Agravo de Instrumento 2314993-67.2025.8.26.0000; Relator (a): Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/10/2025; Data de Registro: 24/10/2025
TJSP; Apelação Cível 1033691-98.2022.8.26.0007; Relator (a): Gilberto Franceschini; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma III (Direito Privado 2); Foro Regional VII - Itaquera - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/09/2024; Data de Registro: 17/09/2024
TJSP; Apelação Cível 1018924-21.2023.8.26.0007; Relator (a): César Zalaf; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VII - Itaquera - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2024; Data de Registro: 30/04/2024
TJSP; Apelação Cível 1110821-45.2023.8.26.0100; Relator (a): Rosana Santiso; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma IV (Direito Privado 2); Foro Regional III - Jabaquara - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2024; Data de Registro: 27/11/2024
TJSP; Apelação Cível 1162292-03.2023.8.26.0100; Relator (a): José Paulo Camargo Magano; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma II (Direito Privado 2); Foro Central Cível - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/05/2025; Data de Registro: 08/05/2025
[3] “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
