Seu cliente pediu recuperação judicial? Saiba o que fazer nas primeiras horas para proteger a sua empresa

Seu cliente pediu recuperação judicial? Entenda o que fazer nas primeiras horas e como proteger o crédito da sua empresa com estratégia e prevenção jurídica.

Raul Dias | Advogado

11/26/202511 min read

a person sitting at a desk with a calculator and a notebook
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INTRODUÇÃO

Para o proprietário ou gestor de uma empresa, o anúncio de que um cliente pediu recuperação judicial pode ser motivo de grande preocupação. Não só há um risco alto do cliente ir à falência — como ocorreu em mais de três quartos das recuperações judiciais entre junho de 2005 e dezembro de 2014 —, como também há o risco de deságios, condições de pagamentos desfavoráveis ao credor, suspensão de execuções etc. Nesse artigo, será apresentado o básico sobre a recuperação judicial (ou “RJ”), o que fazer nas primeiras horas após ser notificado de seu processamento e como evitar surpresas nesse processo.

Esse texto não é para empresas que precisam ou gostariam de entrar em recuperação judicial. Estamos olhando do ponto de vista do credor, particularmente do credor microempresa ou empresa de pequeno porte, que foi avisado da RJ de um cliente. É sob essa perspectiva que os desafios e medidas serão apresentados.

Se a sua empresa foi pega de surpresa por uma recuperação judicial de um cliente, o mais importante é manter a calma, não tomar atitudes sem a devida orientação jurídica e avaliar qual é a situação das dívidas do devedor para com você, credor. A partir daí, planejar, estando assessorado, uma estratégia de atuação. Contudo, como demonstraremos ao final, a empresa não deve ser surpreendida, cabendo-lhe desde o princípio da relação contratual preparar-se internamente, com boa organização jurídica e econômica, e contratualmente, com cláusulas resolutivas e de vencimento antecipado, para aumentar as chances de satisfação do crédito em uma crise do devedor.

O QUE É UMA RECUPERAÇÃO JUDICIAL?

A recuperação judicial é um processo sui generis. É um estímulo a uma solução negociada — sequer existe réu nesse processo — para a crise econômico-financeira da empresa com acompanhamento do juiz e do Ministério Público, na qual ambas as partes (credores e devedora) devem realizar sacrifícios a fim de preservar a empresa e sua função social. É, portanto, semelhante a uma renegociação coletiva tutelada pelo Poder Judiciário. Regida pela Lei n. 11.101, de 2005 (LREF), é um dos procedimentos mais complexos do direito brasileiro — com múltiplas etapas, idas e vindas, institutos de votação e de controle etc. A explicação que se dará sobre a RJ não tem a intenção de exaurir o tema, mas de contextualizar as medidas que serão propostas.

A RJ pode ser pedida pela empresa devedora ou seus sucessores, desde que ela cumpra com os requisitos do art. 48 da LREF: possuir pelo menos dois anos de atividade, não ser falida, não possuir administradores ou controladores condenados por crimes previstos na LREF e não ter lhe sido concedida RJ nos últimos cinco anos. Junto da petição inicial, a empresa apresentará a relação completa de seus credores, o valor atualizado das suas dívidas com regime de vencimento, e outros passivos, inclusive fiscais e trabalhistas, assim como processos dos quais é parte (Art. 51).

Deferido o processamento da recuperação judicial, expede-se edital para publicação em órgão oficial com resumo do pedido, relação de credores e a classificação de seus créditos e o aviso do prazo para habilitação ou objeção à lista. Nesse momento, o risco é a sua empresa ser classificada numa classe incorreta ou ter seu crédito reduzido ou omitido, o que irá determinar os primeiros passos a serem tomados.

A partir do deferimento inicia-se o stay period, período de 180 dias, prorrogáveis uma vez, no qual são suspensas quaisquer execuções contra o devedor e são proibidas medidas de constrição judicial ou extrajudicial sobre os seus bens. Como empresa credora, esse é um momento bastante delicado, muitas vezes adiando um recebimento que parecia certo. Finalmente, é indicado o Administrador Judicial (ou “AJ”), cuja função é comunicar-se com os credores, fiscalizar o devedor e auxiliar no gerenciamento do processo.

A empresa recuperanda deve apresentar — em até sessenta dias — o Plano de Recuperação Judicial (ou “PRJ”). Nele, ela deve propor por quais meios, exemplificados no art. 50 da LREF, a recuperação será atingida e a sua viabilidade econômica. Os credores, por sua vez, podem objetar-se ao PRJ, cenário no qual será convocada uma Assembleia-Geral de Credores para deliberar. Rejeitado o PRJ da recuperanda, os credores podem apresentar um plano alternativo ou, se não o fizerem, o juiz converterá a recuperação judicial em falência (a chamada convolação).

PRIMEIROS PASSOS

O plano de recuperação judicial pode apresentar medidas com efeitos significativos sobre o fluxo de caixa de seus credores. Desde concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações, inclusive deságio (desconto no pagamento), passando por substituição de administradores até venda integral da devedora e outras possibilidades, citadas ou não na LREF. Aprovado o PRJ, as dívidas antigas são dadas como extintas e substituídas pelas obrigações contidas no plano (novação), submetendo credores favoráveis e desfavoráveis ao aprovado.

O destino do credor individual estará vinculado a classe de credor na qual ele foi inserido. A primeira vez em que o credor tomará conhecimento da situação do seu crédito perante o processo de recuperação judicial é na apresentação do edital. Cabe destacar que os prazos na RJ são curtos — apresentado o edital, o credor possuirá quinze dias para habilitar-se ou apresentar sua divergência perante o AJ e após a publicação de novo edital retificado, somente mais dez dias para impugnar perante o juiz. Além disso, não é obrigação do devedor ou do AJ notificar individualmente cada credor, ainda que seja uma boa prática, nem de incluir todos os credores em negociações prévias, o que pode prejudicar PMEs. Por conta disso, há o risco do credor, em especial o de menor porte, só tomar conhecimento do processo quando os prazos já estão correndo há dias, enquanto a habilitação tardia (retardatária) pode significar uma posição pior no pagamento e menos oportunidades de negociação.

Os prazos curtos, o risco da falta de notificação e a importância da classificação correta podem causar desespero no credor que recebe a notícia. Assim, a primeira medida a se tomar, se a sua empresa se encontrar nesse cenário, é procurar a devida orientação jurídica com um advogado de sua confiança. Nenhum texto em um site substitui uma assessoria voltada especificamente para o seu caso, em especial em um processo tão complicado como a recuperação judicial. Há, porém, algumas medidas que o empresário ou gestor deve ter em mente a fim de garantir o melhor resultado possível para a empresa.

O primeiro deles é o levantamento de contratos vigentes com a recuperanda, o histórico e a situação atual das faturas emitidas (vencidas e a vencer), assim como comunicações realizadas por qualquer via, principalmente por escrito. A organização desses documentos permite a construção de um quadro correto do crédito perante o devedor. Também será fundamental para, posteriormente, comparar com o que foi apresentado no edital de credores.

Não se deve, contudo, adiantar a comunicação com a recuperanda, especialmente sem assessoria jurídica. Enquanto a RJ existe, quaisquer medidas que busquem garantir por fora uma posição melhor — com negociações externas ao processo —, assim como cortes abruptos no fornecimento e nos contratos vigentes, podem ter consequências jurídicas negativas para o credor.

Em seguida, deve-se consultar o processo de recuperação judicial, o que também é melhor executado com orientação de um profissional. Pode-se buscar a data de deferimento de seu processamento, a lista inicial de credores e de créditos que foi apresentada e iniciar uma comparação entre as informações levantadas no passo anterior e o que foi divulgado. Como já citado, o principal risco é que seu crédito não tenha sido reconhecido, tenha sido apenas parcialmente incluído — principalmente em contratos de longo prazo, como fornecimento — ou tenha sido enquadrado como quirografário quando, pela natureza do credor, deveria constar como ME/EPP.

Finalmente, deve-se formular uma estratégia para a atuação da credora durante a recuperação judicial. A depender do valor do crédito, da classe em que estiver inserido e da quantidade de credores, as estratégias mudam. Em um caso, a participação ativa no processo pode representar um custo excessivo, enquanto em outro é a recomendação mais adequada. Pode-se buscar uma maximização do crédito na categoria em que foi inserido ou a construção de uma posição distinta, privilegiada, entre os credores. Nesse momento, com risco de soar repetitivo, a orientação especializada torna-se realmente indispensável.

É explícito, porém, o que não fazer nesse momento. Não é o momento de desesperar-se, de cortar contratos ou fornecimentos ou de cobrar incisivamente a recuperanda. Também não é o momento de “dar um jeito” de garantir o seu pagamento por fora do processo, adulterar faturas ou conversar diretamente com ela. Uma vez realizado o levantamento documental, o próximo ponto crítico — que frequentemente determina o quanto o credor receberá — é a classe em que seu crédito foi incluído.

CLASSES DE CREDORES

A deliberação sobre o plano de recuperação judicial é levada a Assembleia-Geral de Credores (AGC), porém a votação se dá por classes, sendo que a rejeição por mais do que uma classe é suficiente para impedir o seu andamento. São quatro classes de credores: créditos oriundos da legislação trabalhista; créditos com garantia real; créditos quirografários; créditos perante microempresas e empresas de pequeno porte. A AGC é um espaço real de barganha e negociação, muitas vezes subestimado ou esquecido por PMEs. Em geral, o plano também irá dividir as condições de pagamento em classes semelhantes. Por isso é tão importante a inserção correta, já que uma subclassificação pode significar um recebimento menor, mais tardio ou mais arriscado.

Frequentemente, aos credores ME / EPP são concedidas melhores condições de pagamento para os seus créditos submetidos à RJ. Como exemplo, os planos de recuperação judicial do Grupo Americanas e da Samarco Mineração S.A. determinaram que os pagamentos dessa classe seriam feitos conforme as condições anteriores a RJ, enquanto os credores quirografários, no primeiro caso, passaram por um deságio de 70% ou foram pagos com valores mobiliários, e no segundo caso, por um deságio de 75%. No PRJ da Novonor (antiga Odebrecht) o deságio no crédito da classe ME / EPP foi menor do que nas outras. Também na proposta apresentada no PRJ do Grupo 123 Milhas garantiu-se condições melhores aos credores ME / EPP.

Outra categoria que costuma receber vantagens no plano de recuperação judicial são os credores parceiros / colaboradores. Não sendo propriamente uma classe, muitas vezes esses credores são destacados no PRJ por conta da importância de sua relação com a recuperanda. Em geral, são credores que mantém as relações comerciais com a recuperanda e se incluem em outras regras estipuladas no plano (ausência de protestos e negativações, desistir de processá-la novamente etc.). Frequentemente para eles são garantidas condições ainda melhores, inclusive linhas de financiamento próprias para a empresa em RJ (DIP Finance), destinadas ao pagamento desses credores, como no caso da Americanas. É possível construir uma posição para enquadrar-se nessa classe, desde que os bens fornecidos pela sua empresa sejam necessários para a atividade da recuperanda (Art. 61, parágrafo único, da LREF).

Note-se que a inclusão nessas categorias não está vinculada com a natureza do crédito, mas com a natureza do credor e da sua relação com a recuperanda. Por isso, uma inclusão incorreta — seja por ausência de acompanhamento adequado ou por desatenção à leitura dos editais — pode ser fatal. É uma oportunidade para garantir a melhor posição para a sua empresa.

PREVENIR PARA NÃO TER QUE REMEDIAR

Apesar disso, na verdade, tudo o que tratamos até aqui não é para ocorrer. A sua empresa não deve ser surpreendida por uma recuperação judicial de um cliente, muito menos de forma extemporânea. Mais do que isso, quanto menos você depender da RJ e do futuro da recuperanda após ela, melhor será.

Schlösser escreve que “as chances de recebimento do credor quirografário aumentam caso ele possa buscar a satisfação do seu crédito em momento anterior ao pedido de recuperação judicial”. Isso é ainda mais verdadeiro no caso de empresas de menor porte. Para isso, há algumas medidas que podem ser tomadas, a depender do poder de barganha que possui o credor durante a relação e da capacidade de negociação das partes.

Podem ser estipuladas, por exemplo, cláusulas de vencimento antecipado ou de resolução do contrato. Ou seja, diante de determinadas métricas — inclusão do devedor em serviços de proteção ao crédito, protesto de títulos, atrasos etc. — a relação contratual extingue-se e os valores em aberto, inclusive futuros, podem ser dados como vencidos desde já, permitindo a cobrança extrajudicial e judicial antes que a empresa peça a recuperação judicial e inicie-se o stay period.

Outra opção é a constituição de créditos com garantia ao longo de toda a relação comercial. As garantias reais, por um lado, permitem a inclusão numa classe geralmente mais restrita, enquanto as garantias pessoais permitem que a cobrança seja direcionada ao terceiro garantidor, para o qual não se estende os efeitos da recuperação judicial (Art. 49, §1º). Créditos garantidos por propriedade fiduciária, por sua vez, sequer são submetidos à RJ, posição ainda mais favorável, sendo apenas impedida a constrição sobre o bem em caso de sua essencialidade durante o stay period (Art. 49, §3º).

Mesmo que isso não seja feito, o mínimo é a empresa credora não ser surpreendida por um prazo exíguo por desatenção à situação da devedora. O monitoramento de notícias, diários oficiais e processos contra uma contraparte negocial são boas práticas não somente em face de possíveis recuperações judiciais, mas em geral, a fim de construir um quadro confiável da situação daquele devedor.

Além disso, de maneira óbvia, a organização documental não deve ocorrer somente em situações críticas e em momentos em que os prazos são apertados. Faturas, contratos, créditos e comunicações devem estar sempre facilmente disponíveis. Em casos graves, as horas perdidas na desorganização documental podem ser fatais para a sua posição creditícia, na construção de uma defesa ou em uma habilitação ou alteração de crédito em caso de insolvência.

Todas essas medidas são facilitadas pelo auxílio de um advogado. Desde a redação dos contratos até o acompanhamento da relação negocial e a organização dos documentos jurídicos podem ser serviços prestados por um profissional especializado, de modo que o empresário possa dedicar-se ao seu negócio com foco total. A economia com esse tipo de adequação e cuidado pode se tornar um custo alto no futuro.

CONCLUSÕES

Ao receber a notícia de que um cliente entrou em recuperação judicial, o tempo trabalha contra o credor. É preciso agir com método, precisão documental e estratégia jurídica clara. Uma atuação reativa, descoordenada ou tardia pode significar perdas expressivas, enquadramento incorreto de créditos, perda de prazos, inclusão como credor retardatário — com perda de prioridade e de negociação — e limitações severas à execução do fluxo de caixa da sua empresa.

Da mesma forma, nenhuma empresa deveria esperar o surgimento da RJ para estruturar seus contratos, garantias ou controles de risco. Preparação, monitoramento e assessoria especializada reduzem danos, ampliam alternativas e aumentam o poder de barganha do credor.

Se sua empresa foi surpreendida por uma recuperação judicial — ou se deseja evitar essa surpresa no futuro —, contar com assessoria jurídica especializada é o passo mais seguro para proteger patrimônio, continuidade operacional e capacidade negocial.

REFERÊNCIAS

FOLHA DE SÃO PAULO. “Só uma em cada quatro empresas sobrevive após recuperação judicial”. /Mercado, 2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/10/1820669-so-uma-em-cada-quatro-empresas-sobrevive-apos-recuperacao-judicial.shtml. Acesso em: 23 nov. 2025.

CAMPINHO, Sérgio. Plano de recuperação judicial: formação, aprovação e revisão (de acordo com a Lei n. 14.112/2020) [recurso eletrônico]. São Paulo: Expressa, 2021. ISBN 978-65-5559-543-7. Cap. V

BRASIL. Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária

O stay period pode ser antecipado por meio de tutela de urgência, conforme o art. 6º, §12, e o art. 20-B da Lei n. 11.101, de 2005.

Art. 50, I, da LREF

Art. 50, IV, da LREF

Art. 50, XVIII, da LREF

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SAMARCO MINERAÇÃO S.A. – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Plano de recuperação judicial. Belo Horizonte, 10 mar. 2022.

NOVONOR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS S.A. – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Plano de recuperação judicial. [S.l.], 16 jun. 2022.

SCHLÖSSER, Gustavo Miranda. Estratégias do credor face à (possibilidade de) recuperação judicial, concurso especial e concurso universal de credores. Dissertação (Mestrado) — Fundação Getulio Vargas (FGV), São Paulo (SP), 2024.