Sou avalista/fiador da dívida da minha empresa. Meu imóvel residencial pode ser penhorado?

Entenda quando o bem de família do fiador pode ou não ser penhorado, as exceções legais e o que dizem a lei e os tribunais sobre fiança e imóveis residenciais.

Raul Dias | Advogado

12/18/20253 min read

brown and black wooden house
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O medo da penhora de um imóvel residencial é um receio justo para qualquer proprietário que se veja como devedor ou fiador. Esse temor é ampliado por uma confusão sobre a possibilidade de execução do imóvel do fiador em contratos de locação, como se fosse extensível a outros cenários. Esse artigo demonstra que, em regra, o bem de família do fiador não poderá ser penhorado. As exceções são pontuais e estão expressas em lei.

É comum que as instituições financeiras exijam garantias para os créditos concedidos para pequenas e médias empresas. Essas garantias podem ser reais (vinculadas a uma coisa que será vendida para pagar a dívida em caso de inadimplemento) ou pessoais (vinculadas a um terceiro que a quitará nesse mesmo caso [1]). Fornecer uma garantia é dar mais segurança para o cumprimento de uma obrigação, já que um bem ou um terceiro poderá ser acionado para cumpri-la. Por outro lado, para o garantidor é um risco elevado, pois pode sofrer os prejuízos da inadimplência — negativação, execução, bloqueio de bens etc. — sem ter sido beneficiado por qualquer crédito.

Essa ameaça leva fiadores e avalistas a temerem a perda daquele bem que é, em muitos casos, a maior parte do seu patrimônio e cujo valor afetivo supera a avaliação do mercado: o imóvel residencial. Mesmo sabendo que seus bens podem ser leiloados para a quitação de dívida alheia, muitos garantidores não conhecem devidamente a amplitude desse risco, nem seus limites. É importante saber, portanto, que a Lei n. 8.009, de 1990, declara o imóvel residencial próprio da entidade familiar “bem de família” e, portanto, impenhorável, não respondendo por qualquer dívida contraída por membro da família. Mesmo assim, há uma ideia popular de que isso não se aplicaria ao fiador.

Essa percepção é oriunda de uma interpretação difundida, mas incompleta, das normas dessa lei. Após definir o bem de família (art. 1º), são listadas exceções. As que são importantes para nós estão contidas no art. 3º, V e VII, nos quais a impenhorabilidade não se aplica: “V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; [...] VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”.

Portanto, existem casos em que o imóvel residencial da entidade familiar do fiador poderá ser levado à leilão. A primeira situação é quando a garantia pessoal for acompanhada de uma hipoteca ou de uma alienação fiduciária [3] — o que não é inimaginável, a depender do montante do crédito. Ou seja, não só o fiador garante a dívida com o seu patrimônio geral, como também dá bens próprios como garantia real, particularmente o imóvel.

A segunda situação é quando a fiança for locatícia. Ela está prevista na Lei do Inquilinato — Lei n. 8.245, de 1990, art. 37 — como uma das modalidades de garantia que pode ser exigida pelo locador. Nesse caso, a Lei do Bem de Família realmente determina que a impenhorabilidade não se aplica ao fiador. O Supremo Tribunal Federal decidiu, no Tema 1.127, que isso vale inclusive em locações comerciais, determinando que “é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial” [4].

Na maioria dos casos, fora essas e demais hipóteses do art. 3º dessa Lei, o receio não se justifica. A dívida acompanhada somente de aval ou fiança não é, na interpretação atual dos tribunais, suficiente para levar à penhora do bem de família do garantidor. Até por isso, o instrumento de crédito e documentos acessórios devem ser lidos atentamente, com auxílio profissional, para verificar qual é a extensão da garantia dada e, assim, os riscos aos quais o terceiro garantidor está submetido.

REFERÊNCIAS E NOTAS

[1] Essa é uma simplificação útil, diante do que ocorre na prática. Na teoria, o avalista responde nas mesmas condições do devedor original e, costumeiramente, o fiador cede o benefício de ordem, podendo ser cobrado antes do devedor principal.

[2] BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 30 mar. 1990.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de divergência em recurso especial (EREsp) nº 1.559.348/DF (2015/0245983-2). Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 5 ago. 2019

[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 1127: Penhorabilidade de bem de família de fiador em contrato de locação (RE 1.307.334/SP). Brasília, DF: STF, s.d.